Aurea Santos Almeida
Advogada. Especialização em Direito Público e Licenciamento Ambiental. Gestora Ambiental. Criadora de conteúdo do projeto "Pílulas Jurídicas". Integrante das Comissões de Direito Ambiental e Gestão e Mobilidade Urbana da OAB/SC- Subseção de Palhoça/SC. Certificação em Propriedade Intelectual pelas academias do INPI e OMPI.
Considera-se saneamento básico o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas, é a definição, em resumo, trazida pelo art. 3º da Lei nº 11.445/2007, que instituiu as diretrizes nacionais e a Política Federal de Saneamento Básico no Brasil.
O Projeto de Lei 4.162/2019 foi aprovado no Senado Federal no dia 24.06.2020, mas embora o assunto esteja na classificação de “econômico – recursos hídricos”, a lei de Saneamento Básico expressa em seu artigo 4º que “Os recursos hídricos não integram os serviços públicos de saneamento básico”.
De todo modo, não causa nenhum espanto a atecnia para um país que aguarda há décadas por este momento.
A explicação da ementa do referido projeto é a seguinte:
“Atualiza o marco legal do saneamento básico. Atribui à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) a competência para editar normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico e altera a denominação e as atribuições do cargo de Especialista em Regulação de Recursos Hídricos e Saneamento Básico do Quadro de Pessoal da ANA. Cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico e aprimora as condições estruturais do saneamento básico. Estabelece prazos para a disposição final adequada dos rejeitos. Estende o âmbito de aplicação do Estatuto da Metrópole às microrregiões. Autoriza a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados, com objetivo de apoiar a estruturação e o desenvolvimento de projetos de concessão e parcerias público-privadas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”
Ao mesmo tempo, é assombroso constatar que 35 milhões de pessoas não tem acesso a água tratada e outras 104 milhões não tem acesso a serviços de coleta de esgotos.
A previsão do texto legal é de que os contratos de prestação dos serviços públicos de saneamento básico deverão definir metas de universalização que garantam o atendimento de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e de 90% (noventa por cento) da população com coleta e tratamento de esgotos, pelo menos até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento
O novo marco de saneamento prorroga o prazo para o fim dos lixões a céu aberto até dezembro de 2020 e, também, muda as regras do fornecimento de água e esgoto, temas tratados na Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305/2010 .
O cumprimento das metas será verificado pelo órgão regulador, a Agência Nacional de Águas (ANA) e, as empresas que estiverem fora do padrão, poderão sofrer sanções.
De todo modo, o PL 4.162/2019 não retirou o poder fiscalizador das agências de águas locais.
A nossa Constituição Federal, através de seu artigo 6º, determina que a saúde é um direito social, mas a competência acerca do saneamento básico é comum para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com a promoção de programas de melhoria das condições, como prevê o artigo 23, inciso IX da Magna Carta.
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
Cada um com seu papel
Nesse contexto da atualização do marco do saneamento ambiental, a legislação específica ao tema já definira a função de cada ente federativo, e não se deixa de apontar o papel dos colaboradores que sempre enriqueceram o debate acerca da situação que afeta metade de população brasileira.
A nova proposta traz o sentido de universalização dos serviços que dizem respeito as funções do saneamento básico.
A Agência Nacional de Águas desempenha o papel de regulação dos recursos hídricos e, sempre atuou de forma a agregar o setor. No caso, as novas funções atribuídas no projeto não retira a competência de outras entidades reguladoras subnacionais, mas acrescenta, em demasia, sua função de normatização no setor de saneamento básico.
O projeto caminha para a sanção presidencial nos próximos dias, mas não se deixa de apontar o papel de cada um na lei, ainda vigente, da Política Nacional de Saneamento Básico nº 11.445/2007, sobre a qual se discorre nesse artigo.
Governo Federal
À União incumbiu o papel de elaboração, sob a coordenação do Ministério de Desenvolvimento Regional, do Plano Nacional de Saneamento Básico - Plansab, que contivesse, conforme artigo 52, inciso I, da Lei nº 11.445/2007:
a) os objetivos e metas nacionais e regionalizadas, de curto, médio e longo prazos, para a universalização dos serviços de saneamento básico e o alcance de níveis crescentes de saneamento básico no território nacional, observando a compatibilidade com os demais planos e políticas públicas da União;
b) as diretrizes e orientações para o equacionamento dos condicionantes de natureza político-institucional, legal e jurídica, econômico-financeira, administrativa, cultural e tecnológica com impacto na consecução das metas e objetivos estabelecidos;
c) a proposição de programas, projetos e ações necessários para atingir os objetivos e as metas da Política Federal de Saneamento Básico, com identificação das respectivas fontes de financiamento; agora com o acréscimo "de forma a ampliar os investimentos públicos e privados no setor";
d) as diretrizes para o planejamento das ações de saneamento básico em áreas de especial interesse turístico;
e) os procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações executadas;
É, também da União, a competência de elaborar e executar os planos regionais de saneamento básico, conjuntamente e em articulação com os Estados, Distrito Federal e Municípios envolvidos para as regiões integradas de desenvolvimento econômico ou nas que haja a participação de órgão ou entidade federal na prestação de serviço público de saneamento básico, conforme inciso II do mesmo artigo 52 da Lei de Saneamento Básico.
O projeto também cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico (Cisb), colegiado que, sob a presidência do Ministério do Desenvolvimento Regional, tem a finalidade de assegurar a implementação da política federal de saneamento básico e de articular a atuação dos órgãos e das entidades federais na alocação de recursos financeiros em ações de saneamento básico.
Governos dos Estados e dos Municípios
Pelo novo projeto de lei, exercerão a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico os Municípios e o Distrito Federal, no caso de interesse local.
Os Estados, em conjunto com os Municípios que compartilham efetivamente instalações operacionais integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, instituídas por lei complementar estadual, no caso de interesse comum.
O titular dos serviços públicos de saneamento básico deverá definir a entidade responsável pela regulação e fiscalização desses serviços, independentemente da modalidade de sua prestação.
O exercício da titularidade dos serviços de saneamento poderá ser realizado também por gestão associada, mediante consórcio público ou convênio de cooperação, nos termos do art. 241 da Constituição Federal, observados os critérios específicos do novo marco.
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
O titular poderá receber cooperação técnica do respectivo Estado e basear-se em estudos fornecidos pelos prestadores dos serviços.
Prestadores de serviços
A prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração direta dependerá da celebração de contrato de concessão, mediante prévia licitação, nos termos do artigo 175 da Constituição Federal, vedada a sua disciplina mediante contrato de programa, convênio, termo de parceria ou outros instrumentos de natureza precária.
Art.175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Os prestadores que atuem em mais de um Município ou região ou que prestem serviços públicos de saneamento básico diferentes em um mesmo Município ou região manterão sistema contábil que permita registrar e demonstrar, de forma específica e em separado, os custos e as receitas de cada serviço de cada Município, ou do Distrito Federal, se for o caso, e das regiões atendidas,
As outorgas de recursos hídricos atualmente detidas pelas empresas estaduais poderão ser segregadas ou transferidas da operação a ser concedida, permitidas a continuidade da prestação do serviço público de produção de água pela empresa detentora da outorga de recursos hídricos e a assinatura de contrato de longo prazo entre esta empresa produtora de água e a empresa operadora da distribuição de água para o usuário final, com objeto de compra e venda de água.
Sociedade Civil
Os cidadãos podem atuar de forma coletiva na área de saneamento básico, através de criação de grupos, comissões, associações no âmbito local ou regional, em suas cidades, com a finalidade de monitorar os serviços de saneamento prestados pelas empresas, de forma a ajudar na fiscalização desses serviços para a comunidade, bem como se dirigindo às autoridades competentes sobre irregularidades e descumprimentos, caso seja registrado algum ilícito.
A participação de cada indivíduo no empenho de colaborar, informar e avaliar os serviços garante à sociedade o real motivo de seu papel e a dignificação do ser humano, como cidadão, em construir uma comunidade desenvolvida e preparada para novos desafios, como enfrentados na atualidade na pandemia da Covid-19.
Controle Social
O controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá incluir a participação de outros entes, assim como o Conselho Nacional de Recursos Hidrícos, bem como as organizações do Terceiro Setor, da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionadas ao setor de saneamento básico, bem como de entidades técnicas, dos prestadores de serviços públicos de saneamento básico; dos usuários de serviços, assegurada a representação dos titulares dos serviços, trazendo a participação de órgãos colegiados de caráter consultivo e deliberativo.
É o caso dos Comitês de Bacia Hidrográfica, compostos por representantes dos poderes executivos da União, dos Estados e dos Municípios, bem como de usuários e de entidades civis, como disposto na Lei nº 9.443/1997, dentre outras funções que lhe são afetas, promovem o debate das questões relacionadas dentro do âmbito de sua atuação.
O Ministério Público, nesse entendimetno, deverá, como sempre, desempenhar seu papel em defesa da ordem jurídica, dentro do setor de saneamento básico, através da defesa dos direitos do consumidor, assim como do meio ambiente para uma segura e sadia qualidade de vida, em respeito as garantias individuais e coletivas da sociedade, em atendimetnos ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Conclusão
O novo marco do saneamento básico traz no ano de 2020 o que a população brasileira espera, não menos, que 30 (trinta) longos anos.
Em qualquer lugar do mundo que, de fato, preze a vida humana, saber que metade de sua população não tem acesso a coleta de esgoto é quase inimaginável, mas é a verdade nua e crua.
Assustar com uma estatística dessas é como negar o histórico e o progresso lento do país, cuja riqueza natural é invejável aos países mais poderosos e ricos do mundo.
A legislação ambiental brasileira, aqui se inclui a água, é uma das mais vastas e esparsas possível, cuja compilação se faz imprescindível e cujas penas aplicadas para violações cometidas são desconhecidas para a grande parte da população. Exemplo é o antigo costume de se queimar lixo no quintal de casa até os dias de hoje.
Por isso, o pagamento de taxa ou de tarifa, na forma prevista no proejto não isentará o usuário da obrigação de conectar-se à rede pública de esgotamento sanitário, e o descumprimento da obrigação sujeitará ao pagamento de multa e demais sanções cabivéis, exceto nos casos de reúso e de captação de água da chuva, previstos em regulamento
Embora ninguém possa se escusar da lei alegando desconhecimento, nunca foi tão importante esclarecer, divulgar, orientar a comunidade, em todos os seus setores, sobre um bem tão valioso que é o tema acerca de saneamento básico, pois o assunto é água.
Estamos em um país que, sim, o óbvio deve ser incansavelmente dito, pois a verdade só prevalece se comprovada.
Prova maior que a falta de compromisso de alguns de nossos representantes eleitos em não sacramentar a disposição legal do marco do saneamento básico não há. E somente na segunda década do século XXI esse marco está sendo atualizado por nossos legisladores.
E dizer que antes tarde do que nunca não remediará as agruras da população desabastecida, mas garantirá um futuro melhor para as próximas gerações.
A votação do marco regulatório do saneamento básico, embora um dever, não deixou de demonstrar o momento de união das entidades envolvidas e melhor definição da função de cada uma delas, embora vários parlamentares tenham votado contra essa velha questão do país, o que é quase inacreditável.
Mas para quem muito lutou contra, a Lei nº 14.026 foi promulgada em 15 de julho de 2020 e já está em vigor: batizada de Lei do marco do saneamento básico.
De agora em diante é aguardar pela aplicabilidade das ações e da efetiva concretização de um direito mínimo: saneamento básico para todos.
Referências:
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