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BLOG DO PÍLULAS JURÍDICAS

O Presídio e a Inserção Social do Preso



Autora: Heloisa Maria Mello Manso

Assistente Social pela PUC Minas.

Mestrado em Sociologia pela UFMG.

Professora aposentada PUC Minas.

Participante do Projeto de Extensão da PUC Minas, de 2012 a 2014 e desde essa data Voluntária na APAC - Santa Luzia/MG.

 



INTRODUÇÃO



Ano após ano cresce a população prisional no Brasil, a partir do encarceramento de pessoas condenadas pela primeira vez, e daquelas que reincidiram no crime. Conforme o Departamento Penitenciário Nacional, em 2019 os detentos totalizaram 773.151 pessoas. De 2017 para 2018, o aumento de presos foi de 2,97%, e do último semestre de 2018 para primeiro de 2019, de 3,89%. O tipo de crime que mais encarcera no Brasil está relacionado ao tráfico de drogas, representando 30% dos delitos. {2}


O destino do preso, estando ele recolhido em delegacias ou carceragens, fica a cargo da justiça penal que definirá a sentença. E essa é da responsabilidade do juiz(a). Em seguida é encaminhado à penitenciária onde cumprirá a pena, até a obtenção da liberdade.


Foucault em Vigiar e Punir (1987) expõe que o julgamento criminal é uma unidade arbitrária; o juiz vai precisar de um controle “retificativo” de suas avaliações e isso a penitenciária deve fornecer. A justiça penal olha o sujeito que cometeu infração, e o aparelho penitenciário constituído pelos presídios e carceragens é o local:


[...] de observação dos indivíduo punidos.   Em dois sentidos. Vigilância, é claro. Mas também conhecimento de cada detento, de seu comportamento, de suas disposições  profundas, de sua progressiva melhora;(...)  ( Foucault, 1987, p.277 ).    

Esse texto traz questões do aparelho penitenciário, tendo por base as contribuições de Michel Foucault (1987) e de Erving Goffman(1974) {3} e apresenta reflexões sobre os fatores que contribuem para o cometimento do crime. Também elenca circunstâncias que dificultam e favorecem a inserção ou reinserção social do apenado.


 

A PRISÃO


O(a) presidiário(a) passará um período de sua vida, que pode ser longo, em espaços restritos, cercados por muros altos, grades, e em contato constante com os(as) mesmos(as) companheiros(as), todos usando uniformes. Existem penitenciárias em que a área física é mais agradável, porém, muitas delas exalam um clima tenso e pesado.


Michel Foucault (1987) destaca o período compreendido entre o final do século XVIII e início do século XIX em que a penitenciária marca um momento importante na história da justiça penal. Ela passa a ser o local por excelência de cumprimento da pena das sociedades civilizadas.


As análises de Foucault voltam-se para a natureza e a estrutura das prisões. E, a partir do exame de presídios americanos descreve que a pessoa estará no cárcere para pagar sua dívida - prisão/castigo. Entretanto ali também é lugar para requalificar e transformar o(a) criminoso(a) através de suas regras disciplinares, mecanismos de repressão e correção e dos seguintes princípios: isolamento do mundo externo, trabalho, modulação da pena. Explica Foucault que a pena não deve ser fixa,



(...)deve portanto variar não só com o ato e suas circunstâncias, (...) a pena deve ser individualizada não é a partir do indivíduo-infrator, sujeito jurídico de seu ato, autor responsável do delito, mas a partir do indivíduo punido,( ... )inserido no aparelho carcerário, modificado por este ou a ele reagindo (Foucault,1987, p.273).  

A prisão, um “reformatório integral prescreve uma recodificação da existência bem diferente da pura privação jurídica da liberdade ...” (Foucault, 1987, pág. 265). Os que gerenciam a detenção, “fiscais, um diretor do estabelecimento, um sacerdote ou um professor, “são mais capazes de exercer essa função corretiva que os detentores do poder penal,” diz Foucault ( 1987, p. 275).


Os estudos de Erving Goffman (1961) procuram esclarecer o papel do espaço físico na vida social dos indivíduos, concebido como cenário condicionante de interações e de signos. Em seu livro “Manicômios, Prisões e Conventos” define essas e outras instituições (asilos, antigos sanatórios, quartéis e campos de concentração, escolas internas) como instituições totais, pelo fato de romperem as barreiras que comumente separam as três esferas da existência humana: onde dormir, trabalhar e divertir. Todas essas esferas são realizadas no mesmo local, sob uma única autoridade. Dentre essas instituições as penitenciárias são organizadas “para proteger a comunidade contra perigos intencionais e o bem estar das pessoas [...]” (Goffman,1961, p.17)


Goffman (1961) destaca nas instituições totais a divisão básica entre o grande grupo dos internos e a equipe menor de supervisão que estabelece a vigilância. “Cada agrupamento tende a conceber o outro através de estereótipos limitados e hostis” (p. 19). Os presos tendem a ser vistos como não merecedores de confiança e os dirigentes como arbitrários e mesquinhos. Em alguns aspectos os detentos percebem-se como inferiores, censuráveis e culpados, sentindo-se em uma posição baixa em um grupo baixo. Define como “mortificação do eu” (1961,p. 24) as várias situações de humilhação e rebaixamento que ocorrem nas prisões. Elas dificultam a autonomia e liberdade de ação, atributos necessários na vida em liberdade.


Goffman (1961) retrata a prisão como estufas para mudar pessoas: cada uma é um experimento para ver o que se pode fazer ao eu. Foucault (1987), na obra citada, escreve que desde seu início a instituição prisional foi alvo de remanejamentos, inquéritos e críticas. “Conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa, quando não inútil. E entretanto não ‘vemos’ o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução de que não se pode abrir mão“ (p 261).


 

FATORES QUE CONTRIBUEM PARA O COMETIMENTO DO CRIME


Stanton Samenow (2013), professor e psicólogo, assessor de tribunais americanos, e com experiência profissional no trato com criminosos, em entrevista concedida à revista Veja, expressou o seguinte sobre causas do cometimento de crimes:


0 ambiente tem uma influência relativamente pequena sobre o crime. Em lugares muito pobres, com a presença de gangues e alto índice de criminalidade há mais tentações e pressões sem dúvida. Se armas e drogas estão ao alcance da mão, cometer delitos é mais fácil. [...] Mas não podemos dizer que a maioria dos pobres se torna criminosa, isso não é verdade (p. 22). 

Samenow (2013), a partir de sua experiência observou que há um padrão de pensamento que resulta no cometimento de crimes. “Tanto o crime premeditado, em que o criminoso sabe que pode ser preso ou morto, e o cometido no calor do momento, parecendo ser apenas um impulso, há uma racionalidade [...] o crime não vem do nada” (p. 23) .


Já o relatório de 2002 sobre violência e saúde da Organização Mundial de Saúde, cujo objetivo é apresentar bases para a diminuição da violência expõe que:


não há um fator único que explique por que algumas pessoas se comportam de forma violenta em relação a outras, ou porque a violência ocorre mais em algumas comunidades do que em outras. A violência é o resultado da complexa interação de fatores individuais, de relacionamento, sociais, culturais e ambientais (OMS, 2002, p.12).  

Os estudos de Evelyn Eisenstein e Souza (1993) embora voltados para crianças e adolescentes portadores de vulnerabilidades, trazem valiosa contribuição para o entendimento da prática do crime. Os autores chamam a atenção para a presença de fatores de risco que possam vir a causar algum agravo na vida das pessoas.


Consideram que fatores de risco são “elementos com grande probabilidade de desencadear ou associar-se ao desencadeamento de um determinado evento indesejado [...] não é necessariamente o fator causal [...](p.19).


Percebemos nas histórias de vida dos presos da APAC/Santa Luzia a presença de fatores de risco relacionados às vulnerabilidades sociais, precariedades das políticas de bem estar social, familiares ausentes ou com distúrbios, baixa escolaridade, falta de capacitação profissional, convivência com parentes ou amigos infratores, dentre outros. São questões que precisam ser detectadas entre os internos, ainda na fase do regime fechado. Quando diagnosticadas há necessidade de a equipe de trabalho manter-se alerta e intervir.


 

A RESSOCIALIZAÇÃO E A REBILITAÇÃO SOCIAL DO APENADO


Os problemas que contribuíram para o cometimento da infração ou crime, se não forem atenuados ou amenizados por fatores protetores durante o cumprimento da pena, vão transformar-se em fator de risco para a ressocialização e a reinserção social.

Eisenstein e Souza (1993) definem fatores protetores como “mecanismos conscientes ou inconscientes de adaptação; são recursos pessoais ou sociais que atenuam ou neutralizam o impacto do risco.” (p.19). Relacionados aos presidiários(as) e familiares podemos citar o empoderamento dos internos através de cursos e capacitações, as orientações e encaminhamentos dados às famílias, o estabelecimento de laços positivos com os(as) internos(as), as reflexões relacionadas a valores, responsabilidade, direitos, deveres, cidadania, o treinamento dos funcionários sobre posturas construtivas, dentre outros aspectos.


A equipe do estabelecimento penal necessita avaliar o que pode acontecer no presídio que irá funcionar como um fator protetor para os internos em geral, e para determinado preso em especial. Importante analisar qual o peso dos fatores protetores em vista dos fatores de risco que estão presentes na vida do(a) interno(a). Duas questões são cruciais para o bem estar do(a) detento(a) do regime semiaberto, que está preste a ir para o regime aberto: onde e com quem morar e onde e em que trabalhar. Nem todos contam com o acolhimento da família.


Aspectos relevantes para a formação de ex-presidiários dignos e produtivos estão ligados à humanização das prisões, englobando a área física que recebe o infrator, as interações pessoais ali presentes, as atividades, atendimentos e as rotinas.


No decorrer dos tempos, surgem iniciativas voltadas para a humanização das prisões e isso é de grande relevância. Também são necessários investimentos em projetos que ofereçam alternativas de uma vida digna e criativa para os jovens e para pessoas em situação de vulnerabilidade, visando contribuir para a não opção pelo caminho do crime.


Dentre os projetos de humanização prisional destacaremos a APAC- Associação de Proteção e Assistência aos Condenado, presídio sem polícia, pelo fato de lá atuarmos.


Dr. Mário Ottoboni (1931/2019) jornalista e advogado em São José dos Campos, São Paulo, indignado com as precariedades dos presídios que visitava, elaborou o Método APAC. Após anos de estudos, análises e revisões Dr. Mário e outros estabeleceram 12 elementos a serem promovidos e seguidos no trato com os detentos:


1 -A participação da comunidade.

2 -O recuperando ajudando o recuperando.

3 -O trabalho.

4 -A religião e a importância de se fazer a experiência de Deus.

5 -Assistência jurídica.

6 -Assistência à saúde (médica, odontológica, psicológica, etc.)

7 -Valorização Humana.

8 -A Família.

9 -O voluntário e sua formação.

10- Mérito.

11-O Centro de Reintegração Social- lugar que acolhe o(a) preso(a).

12-A Jornada de Libertação com Cristo: seminário que acontece esporadicamente.


 

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Ao alcançar a liberdade o(a) ex-presidiário(a) poderá deparar-se com obstáculos, e em alguns ambientes fará esforço para esconder o seu passado, em vista do estigma que sente carregar. Encaminhamentos e acompanhamentos que estimulem o egresso a encontrar dentro de si e fora de si forças e respostas para atravessar o período de adaptação são relevantes.


Há necessidade de diminuir a reincidência criminal e a superlotação dos presídios. Urge investir em políticas sociais dirigidas às áreas de carência sócio econômica para evitar que jovens e adultos mais novos, façam opção pelo caminho do crime,



 

REFERÊNCIAS:


-Andrade Durval Angelo. APAC- A face humana da Prisão. 4ª edição amp. Belo Horizonte, O lutador, 2016.


-Eisenstein Evelyn e Souza Ronald Pagnonceli. Situação de Risco - Saúde da criança e do adolescente. Petrópolis, Vozes, 1993.


-Fbac- Federação Brasileira das Apacs - www.fbac.org.br (Link)


- Foucault, Michel. Prisão . In : Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987.


-Goffman, Erving . Introdução e o Mundo do Internado . In: Manicômios, Prisões e Conventos. Editora Perspectiva, 1974, São Paulo, Brasil.


-Leite Pedro Dias. Como pensam os criminosos. Entrevista Stanton Samenow. Publicada na Revista Veja de 6 de novembro de 2013, p. 19 a 23.


-Ministério da Justiça e Segurança Público. Depen - Departamento Penitenciário- Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen 2019 - “Dados sobre a população carcerária do Brasil são atualizados”. Dados publicados em 17/02/2020. (Link)


-Organização Mundial da Saúde – OMS Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. Editado por Etienne G. Krug, Linda L. Dahlberg, James A.Mercy, Anthony B. Zwi e Rafael Lozano. Genebra 2002 (Link)


- Ottoboni Mario. Vamos Matar o Criminoso? Metodo APAC. Belo Horizonte, O Lutador, 2018.


- Szabó Ilona e Risso Melina. Segurança Pública Para Virar o Jogo.Rio de Janeiro, Zahar, 2018


 

CITAÇÕES:


{2}. Dados divulgados em fevereiro de 2020 – Depen/Infopen Informações Penitenciárias de 2019-Ministério da Justiça e Segurança Pública-Br.


{3}. Michel Foucault- Capítulo Prisões in “Vigiar e Punir”. Erving Goffman, Introdução e O mundo do internado in ”Manicômios, Prisões e Conventos”.


 

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Este artigo é de inteira responsabilidade do(a) autor(a) e não reflete a opinião do blog Pílulas Jurídicas sobre o assunto.

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