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BLOG DO PÍLULAS JURÍDICAS

Calem a Boca nos disseram. Calaremos?


Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette,

Delegado de Polícia aposentado, Mestre em Direito Social, Pós – graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia, Medicina Legal e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação do Unisal.




 

No dia em que um Ministro da mais alta corte brasileira determina a exclusão total de uma rede social (Telegram), por acaso abro o portal de outra rede social (Twitter) e deparo com uma pessoa dizendo resumidamente o seguinte:


“Foi muito bom a exclusão dessa plataforma porque já soube de pessoas que sofreram golpes praticados por meio dela, além do fato de que pode ser usada para a prática de crimes, tais como tráfico de drogas, de armas, disseminação de pornografia infantil, afora imoralidades de toda espécie”.


Então me vem à cabeça o seguinte pensamento:


“É, deve estar certo. Aliás, não deveria ser bloqueado e excluído totalmente somente o Telegram, mas também todas as redes sociais, as quais igualmente podem ser utilizadas para o bem e para o mal. Vamos apoiar a proibição do próprio Twitter, do Instagram, do Facebook, do GETTR, do Youtube, do WhatsApp e quaisquer congêneres. Afinal, também já soube de pessoas que foram vítimas de golpes e de uso indevido de todas as redes. Mais que isso, seria bom acabar de vez com a telefonia móvel e fixa, nada mais de celulares ou telefones, chega de todo esse mal, desses canais pelos quais as pessoas podem agilizar e expandir sua capacidade de comunicação e expressão. Tudo isso é um mal em si, um mal irredutível, absoluto. Melhor ainda, seria uma boa ideia, para evitar qualquer outro contratempo em possíveis relações interpessoais presenciais, que se cortassem as línguas e/ou removessem as cordas vocais de todas as pessoas”.


Começo a imaginar um ser humano parado em pé com as pernas afastadas e os braços estendidos e abertos lateralmente, à semelhança do “Homem Virtruviano” desenhado por Leonardo da Vinci. Inicialmente tem um olhar perscrutador e vivo, mas esse olhar vai aos poucos esmaecendo, como se alguma nuvem negra o recobrisse até assumir um aspecto cadavérico. A luz que rodeia o homem e nos possibilita vê-lo, vai cedendo a sombras que recobrem suas pernas, depois seu tronco, seus braços e, finalmente toda a impressão de seu rosto, suas feições e expressões. Aquele homem então desparece, como um sol eclipsado pela lua. Resta apenas um círculo de trevas.


Estou em meu escritório, o dia é claro, um céu azul é visível pela janela, a vida segue em sua beleza, ternura e violência. Contudo, olho para um canto sombrio nesse escritório ao lado de uma pequena prateleira de livros. As sombras me atraem, penso em sentar-me encolhido naquele canto escuro, fechar as janelas, apagar as luzes e ficar ali, esperando ser recoberto pelas trevas. Lembro-me de Gregor, personagem de Kafka, que se tornou um inseto indesejável até para sua família e achou que o melhor era simplesmente sumir. Talvez seja encontrado “duro como uma pedra”, ressequido no canto escuro do escritório e isso seja um alívio para muita gente. Um inseto ou qualquer coisa indiscernível de outras coisas do mundo inanimado. [1]


Mas, certamente há personagens bem melhores na história e na literatura para imitar. Personagens que se levantam do chão, que não se vergam e que se inserem numa História que não depende de aprovações, de permissões ou de condições passageiras, uma História na clave da eternidade. A proposta de Kempis é bem mais atrativa e digna da humanidade que há em mim e em todo ser humano. Imitar aquele que vence o tempo, que vence a opinião dos homens, a força, que não se abate, não é sobrepujado nem mesmo pela morte. Talvez em sua face humana de fraqueza peça que o cálice dorido seja afastado, mas logo compreende que não pode alterar sua rota. Nossa imitação deste modelo que nos foi legado não é fácil, mas é o único caminho. Não podemos ceder à tentação de querer “agradar aos homens”, nem de temer “desagradar-lhes”, pois só assim será possível gozar “grande paz”. [2] Além disso, nossas virtudes somente se manifestam em plenitude na adversidade; “pois as ocasiões não fazem o homem fraco, mas revelam o que ele é”. [3] Não somos insetos, não morremos encolhidos num canto escuro, ninguém nos impõe o silêncio arbitrariamente nem podemos ser iludidos por falácias e mentiras, porque a verdade se sobrepõe, ela “existe” e, mais que isso, não “desiste”, “ela resiste”. [4] A verdade nos liberta do erro e nos põe em pé de coluna reta e digna. A nenhum homem é dado o direito de rastejar como um inseto. Sejamos dignos de nossa humanidade, que recebemos como um dom! Aos tiranetes e às falácias reservemos apenas nosso desprezo.


 

REFERÊNCIAS


KAFKA, Franz. A Metamorfose. Trad. Marques Rebelo. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.


KEMPIS, Tomás. Imitação de Cristo. Trad. Pietro Nassetti. Rio de Janeiro: Martin Claret, 2001.


MARÍAS, Julián. Tratado Sobre a Convivência – Concórdia sem acordo. Trad. Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Martins Fontes, 2003.


 

Citações:

[1] KAFKA, Franz. A Metamorfose. Trad. Marques Rebelo. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996, p. 122 – 137. [2] KEMPIS, Tomás. Imitação de Cristo. Trad. Pietro Nassetti. Rio de Janeiro: Martin Claret, 2001, p. 98. [3] Op. Cit., p. 28. [4]MARÍAS, Julián. Tratado Sobre a Convivência – Concórdia sem acordo. Trad. Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 23.



 
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